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Saúde  Mental  Infantil

                           As desordens mentais parecem ser de pouca importância para a população infantil. Provavelmente, essa é uma das razões que faz com que não tenhamos, em nosso país, uma política definida de Saúde Mental Infantil o que provoca um círculo vicioso: os problemas infantis não são diagnosticados e, quando o são, as dificuldades para o seu tratamento são imensas.

                        Paralelamente, o descaso e a ausência de interesse por parte da sociedade faz com que poucos profissionais se interessem pela área, dificultando mais ainda esse atendimento. Enquanto os Estados Unidos contam com cerca de 6.000 profissionais ligados à Psiquiatria da Infância e da Adolescência, número considerado insatisfatório, nós contamos com menos de 200, concentrados, em sua maior parte, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.



Quais são as características e doenças psiquiátricas da criança no primeiro ano de vida?
                 Ao nascer, a criança apresenta reflexos característicos do ser humano, que lhe permitem sobreviver e, gradativamente reagir aos estímulos ambientais, construindo pouco a pouco o psiquismo infantil. No primeiro ano de vida, ela passa de um ser eminentemente reflexo para um ser que estabelece esquemas de causalidade (um fato ocasiona uma consequência), de persistência de objeto (um objeto continua existindo mesmo com seu desaparecimento do campo visual) e outros. Dessa maneira, passa de um ser indiferenciado para alguém com gradativa consciência de si mesmo (inicialmente a partir da noção de corporeidade), que se relaciona socialmente primeiramente com a própria mãe (socialização elementar), para posteriormente se relacionar com a família e com a própria sociedade (fato esse que ocorrerá bem mais tarde, lá pelo segundo ou terceiro ano de vida).

                      Nesse momento, as patologias do psiquismo infantis refletem duas possibilidades. Ou lesões que afetam diretamente o Sistema Nervoso Central, ocasionando patologias graves, como Retardo Mental ou quadros autísticos, ou reações ao próprio ambiente, como por exemplo os quadros de hospitalismo em que a criança, na ausência da mãe, retrai-se e isola-se, desinteressando-se por tudo que a cerca.

Como é o desenvolvimento mental da criança na fase pré-escolar?

                    Por volta dos dois anos de idade, a criança adquire a capacidade de utilização de símbolos que permite, por exemplo, a resolução de problemas em ausência concreta dele, ou seja, a criança começa a desenvolver mentalmente os passos necessários para a solução da questão proposta. Paralelamente, desenvolvem-se também os processos de memória, que nessa fase não mais necessitam de estímulos externos e podem ser acessados voluntariamente pela criança, de pensamento e de linguagem oral, inserindo-a de forma mais adequada no contexto social que lhe rodeia.

                 Nesta fase, a criança inicia a construção de sua identidade sexual bem como do papel sexual a ela implícita, de padrões morais copiados do próprio adulto. Adquire também a capacidade de organizar jogos simbólicos que lhe permitem brincar com outras pessoas e de começar a representar graficamente seu próprio mundo a partir daquilo que sabe sobre ele.

Quais são as patologias na idade pré-escolar?

                   Nesse momento, algumas patologias podem ser bem identificadas, como os quadros depressivos que, no pré-escolar, tem uma prevalência de cerca de 0,9%, quadros ansiosos como a ansiedade de separação.
Os transtornos de déficit de atenção e hiperatividade que, mesmo sendo mais facilmente visualizados na etapa posterior de desenvolvimento já podem estar presentes aqui. Quadros graves, como autismo e retardo mental, mesmo aparecendo já na etapa anterior, são mais facilmente identificados neste período pois já se espera da criança maior desempenho e sociabilidade.

Como é a evolução da criança na idade escolar?

               Aos sete anos, o padrão de pensamento da criança altera-se. Ela passa a utilizar hipóteses que lhe permite avaliar melhor o seu mundo, checando-o e assim, construindo-o de forma mais próxima à realidade. Inicia-se, então, a construção de uma moral autônoma, a partir do questionamento do mundo adulto, representado por pais e professores e pela relação com outras crianças.

            Estabelecem-se regras definidas e fixas, que também se estruturam nos jogos, que servirão de base para os relacionamentos sociais. Esses jogos começarão a se manifestar enquanto jogos de construção nos quais a criança, ao brincar, desenvolve e estimula a própria criatividade dentro de um contexto de realidade mais exato. A mesma característica pode ser observada também no desenho, que passa a representar de maneira cada vez mais exata a própria realidade, prendendo-se em aspectos formais. Categorias físicas como espaço, tempo, peso, massa, formas, volume, são cada vez mais estruturadas, permitindo-lhe uma visão de mundo bastante precisa e concreta.

Como detectar as patologias e desordens mentais na idade escolar?

              A partir dos sete anos, as patologias são detectadas principalmente em função do rendimento escolar com os transtornos de aprendizado, acompanhados pelos transtornos de déficit de atenção e hiperatividade (com prevalência ao redor de 2% nessa faixa etária), pelos retardos mentais (percebidos com frequência nesse momento em função da não correspondência aos programas educacionais) e pelos demais quadros psiquiátricos como depressões, manias, quadros ansiosos como pânico, transtornos obsessivos e tantos outros passíveis de cuidados e acompanhamento.

Quais as patologias psiquiátricas na adolescência?

                    A entrada na adolescência traz mudanças significativas no processo de pensamento desse ser.
Ele passa a se valer de pensamento abstrato que lhe proporciona a possibilidade de estabelecer hipóteses sobre fatos imaginários, o que lhe permite avaliar e escolher possibilidades. Assim surge sua crise decorrente da sua liberdade e da responsabilidade. Com ela e a estruturação do psiquismo, significados passam a ser estabelecidos e as patologias psiquiátricas tomam uma forma mais semelhante àquela do adulto, com o aparecimento dos quadros delirantes e alucinatórios, depressões e tentativas de suicídio, quadros delinquenciais e tantas outras patologias de importância fundamental.

 

Como diagnosticar e tratar as doenças mentais na criança e no adolescente?

                   Um diagnóstico, para ser estabelecido, depende de conhecimento do próprio desenvolvimento da criança, bem como de uma abordagem especializada e multidimensional o que, em nosso meio carente e pouco interessado, é de extrema dificuldade. Além de uma abordagem psicofarmacológica, hoje de extrema importância no tratamento das doenças mentais da infância e da adolescência, necessita-se também de abordagens psicoterápicas, uma vez que a criança enquanto ser em evolução, está em processo de desenvolvimento e, com o aparecimento dos quadros de distúrbios mentais, constrói sua identidade de maneira deficitária.

Nesse contexto, o suporte familiar é indispensável, uma vez que essa família será o fator de contenção afetiva necessário para que a terapêutica se mostre eficaz.

                    A Adolescência é um período de intensas atividades e transformações na vida mental do indivíduo, o que, por si só, leva a diversas manifestações de comportamento que podem ser interpretadas por leigos como sendo doença. Assim sendo, muitas das manifestações ditas normais da adolescência podem se confundir com doenças mentais ou comportamentos inadequados.

                    Exemplo disso é o uso de drogas, que pode constituir-se em um caso de dependência, mas também pode constituir-se em um simples comportamento de experimentação da vida. Temos de ter o cuidado inicialmente de avaliar bem o comportamento de um adolescente, antes de se garantir a existência ou não de um transtorno mental. Para tanto é necessário se conhecer um pouco acerca do que chamamos de "adolescência normal".

 

 

Adolescência Normal

               A adolescência é a fase da vida em que a pessoa se descobre como indivíduo separado dos pais. Isso gera um sentimento de curiosidade e euforia, porém também gera sentimentos de medo e inadequação. Um adolescente está descobrindo o que é ser adulto, mas não está plenamente pronto para exercer as atividades e assumir as responsabilidades de ser adulto. Assim sendo ele procura exemplos, de pessoas próximas ou não - ídolos artísticos ou esportivos, entre outros - para construir seu caráter e seu comportamento.

                Também é visível a necessidade do adolescente de contrariar a vontade ou as idéias dos pais. Esse comportamento opositor aos pais acontece em decorrência da necessidade do adolescente de separar-se dos pais, ser diferente deles, para construir sua própria identidade como pessoa. Ao mesmo tempo, o adolescente pode não se ver capaz ainda de se separar desses pais, gerando então nele um sentimento de medo. De um lado a necessidade de separar-se dos pais para ser um indivíduo diferente e de outro lado a dificuldade de assumir a posição adulta (com suas responsabilidades e desejos) levam o adolescente a uma fase de intensa confusão de sentimentos, com uma constante mudança de opiniões e metas, e com um comportamento bastante impulsivo.

                  Embora haja grande quantidade de conhecimento existente hoje sobre esse assunto, é necessário alertar que muitos dos comportamentos atípicos manifestados pelos adolescentes podem apenas ser uma busca por sua identidade, e não uma doença mental específica. Cabe também lembrar que muitas vezes os adolescentes necessitam de ajuda profissional nesse processo de "ser adulto", o qual, mesmo não se constituindo em doença mental, pode constituir-se em sofrimento para o adolescente, podendo ele beneficiar-se, e muito, de intervenções psicológicas. Dentre os transtornos mais comuns vistos na adolescência, destacam-se os seguintes:

Transtornos do Humor

É o grupo onde se incluem as doenças depressivas, de certo modo comuns na adolescência, acompanhadas das mais diversas manifestações. Podem apresentar humor deprimido (tristeza) acentuado ou irritabilidade (que por si só pode ser manifestação normal da adolescência), perda de interesse ou prazer em suas atividades, perda ou ganho de peso, insônia ou excesso de sono e abuso de substâncias psicoativas (mais comumente álcool, porém até outras drogas). O tratamento desses transtornos envolve o uso de fármacos (antidepressivos), associados a psicoterapia.

 

Transtornos Alimentares

Onde se incluem a Bulimia (ataques de "comer" compulsivo seguidos, muitas vezes, do ato de vomitar) e Anorexia (diminuição intensa da ingesta de alimentos). A pessoa demonstra um "pavor" de engordar, tomando atitudes exageradas ou não necessárias para emagrecer, mantendo peso muito abaixo do esperado para ela. O tratamento desses transtornos envolve uma equipe multidisciplinar (psiquiatra, nutricionista), fármacos antidepressivos e psicoterapia, necessitando em alguns casos de intervenções na família.

Transtornos do Uso de Substâncias Psicoativas

O uso de drogas, como é conhecido, é um tipo de alteração de comportamento bastante visto na adolescência. A dependência de drogas, que é o transtorno mais grave desse grupo, manifesta-se pelo uso da substância associado a uma necessidade intensa de ter a droga, ausência de prazer nas atividades sem a droga e busca incessante da droga, muitas vezes envolvendo-se em situações ilegais ou de risco para se conseguir a mesma (roubo e tráfico). O tratamento envolve psicoterapia, educação familiar e alguns fármacos, por vezes necessitando internação hospitalar.

Transtornos de Conduta

Caracterizam-se por comportamentos repetitivos de contrariedade a normas e padrões sociais, conduta agressiva e desafiadora. Constitui-se em atitudes graves, sendo mais do que rebeldia adolescente e travessuras infantis normais. Essas pessoas envolvem-se em situações de ilegalidade e violações do direito de outras pessoas. Aparecem roubos, destruição de patrimônio alheio, brigas, crueldade e desobediência intensa como algumas das manifestações. O tratamento envolve basicamente psicoterapia, podendo-se utilizar alguns fármacos no controle da impulsividade desses pacientes. São transtornos de difícil manejo, e muitas vezes necessitam de intervenções familiares e sociais.

Transtornos de Ansiedade

Os transtornos de ansiedade incluem desde a ansiedade de separação e a fobia escolar, condições que ocorrem quase que exclusivamente na infância, até o transtorno obsessivo compulsivo, transtorno de ansiedade generalizada, estresse pós-traumático, síndrome do pânico e fobias. Pessoas que vivem com um grau muito intenso de ansiedade podem chegar a ter prejuízos no seu funcionamento, por exemplo social, em decorrência dessa ansiedade. Além de causar importante sofrimento físico e psicológico, as consequências dos sintomas ansiosos costumam ser desmoralizantes e incapacitantes em mais de uma esfera, como por exemplo social, ocupacional, escolar e familiar. Os sintomas podem iniciar tanto na infância quanto na adolescência , e podem ser tanto primários, quanto secundários ou ocorrerem em comorbidade com outros sintomas psiquiátricos. O tratamento envolve basicamente psicoterapia, podendo-se recorrer a alguns fármacos como coadjuvantes.

Pessoas que vivem com um grau muito intenso de ansiedade, chegando a ter prejuízos no seu funcionamento, por exemplo social, em decorrência dessa ansiedade. Pode aparecer na adolescência sob a forma de ansiedade de separação, geralmente dos pais, aparecendo em adolescentes que não conseguem manter atividades sem a presença dos mesmos. São extremamente tímidos, e muitas vezes, não conseguem obter prazer em quase nenhuma atividade fora de casa. O tratamento envolve basicamente psicoterapia, podendo-se recorrer a alguns fármacos como coadjuvantes.

Transtornos Psicóticos

Nessa fase da vida muitos transtornos psicóticos, por exemplo a esquizofrenia, iniciam suas manifestações. Esses transtornos são graves, muitas vezes necessitam internação hospitalar e são caracterizados por comportamentos e pensamentos muito bizarros e distorcidos frente a realidade. O tratamento baseia-se em tratamento medicamentoso com o uso de antipsicóticos e psicoterapia de apoio. São transtornos, em sua maioria, cronificantes, principalmente se não tratados.

Suicídio na Adolescência

Muitos transtornos da adolescência podem se manifestar com comportamento suicida. Tentativas ou ameaças de suicídio podem aparecer. Alguns comportamentos de exposição e risco (dirigir em alta velocidade ou embriagado, envolvimento em brigas ou em atividades de risco, entre outras) também podem ser sinais de comportamento suicida na adolescência, mesmo sem a manifestação explícita dessa intenção. O comportamento impulsivo do adolescente, acarreta um risco maior de tentativas de suicídio mesmo na ausência de sintomas depressivos ou uma clara ideação suicida, o que torna o adolescente muito mais vulnerável a este tipo de comportamento.

Cuidados a tomar na Avaliação Diagnóstica

São muitas as possibilidades de transtornos mentais nessa fase da vida, mas todas as situações devem ser muito bem avaliadas antes de se fechar um diagnóstico, principalmente na adolescência. Além das dificuldades pessoais dos adolescentes e de sua intensa modificação corporal e mental, o que por si só já pode gerar comportamentos e sentimentos de inadequação, suas atitudes podem ainda refletir problemáticas familiares. Assim sendo, sem uma devida avaliação do adolescente é, no mínimo imprudente, caracterizá-lo como tendo uma doença mental específica.

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